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sans trêve sans merci


2020-2021


O que nos deixa tão felizes com as mercadorias? Que poder elas têm sobre nós? O que mudou quando começamos a comprar nas telas de computador?

A pesquisa sans trêve sans merci é composta por milhares de imagens carregadas diariamente por consumidores nas duas maiores plataformas de varejo on-line do mundo - Amazon e Aliexpress. Não vemos os produtos, mas vemos a devoção, a adoração, a fidelidade daqueles que acreditam.

Mas, para o capitalismo, os produtos não importam, portanto, também não importam para este trabalho. Entre milhões de imagens, procuro aquelas em que o fetiche está em sua forma primária e bruta. Não para substituir o capitalismo ~de imagens~ pelos mesmos produtos feitos de plástico e sangue.

O crescimento exponencial de ambas as plataformas durante a pandemia da Covid-19, Amazon 40% e Alibaba 34%, é o ponto de partida para esta pesquisa. Ela parte da certeza de que o futuro está garantido e que os ativos corporativos atualizados em US$ 275 bilhões no Ocidente e US$ 240 bilhões no Oriente dependem, além do trabalho predatório do planeta, da manutenção da exploração da mão de obra cada vez mais precária. E conta com a lealdade ativa de quem faz reviews.

O capitalismo como uma religião e seu credo sem trégua e sem misericórdia (Benjamin). Seu ritual constante, que é inseparável da rotina. Compra e exibição. Mais além da vida, mais além do tempo disponível, se fazem reviews. Mais-valia fertilizada, mais-valia na forma de uma imagem. O capital produtor de mercadorias é fictício para seu próprio futuro (Agambem). Ele trabalha, compra, se qualifica... e continua comprando.






obrigado pelo feitiço
2020

instalação

intervenção sobre papel fotográfico
série de 30 imagens, digital print
21 x 30 cm cada






O ato eucarístico com a mercadoria. Este trabalho, cujo título joga com o duplo sentido de obrigado/forçado pelo feitiço, compila uma série de imagens através das quais os usuários das plataformas de e-commerce compartilharam o momento em que uma compra chega. Coletadas em 2020 durante a pandemia de Covid-19, a seleção de imagens prioriza aquelas que mostram as mãos –ou uma mão– que forjam, que tipificam, que clicam, que rezam. Cada imagem é interposta com uma etiqueta que traz seu preço, normalmente muito baixo, informando o tipo de gênero que as embalagens contêm: ninharias, bugigangas. A mão do trabalho e da oração concentra a relação entre capitalismo e cristianismo que esta obra sublinha, cem anos após a publicação, em 1921, do texto O capitalismo como religião, de Walter Banjamin.















upload sua prece
2021

vídeo-instalação
full HD, color, 16:9
11’25” em loop








Esta vídeo-instalação foi produzida a partir de uma série de 1.500 imagens baixadas da plataforma AliExpress. São invólucros que sobem a tela num roll up contínuo como uma ascensão ao céu, comunhão com a divindade, numa sucessão infinita. A trilha sonora foi realizada especialmente para este trabalho, uma versão de Souvenir de Hapsal de Tchaikovsky, seu primeiro ciclo de piano, datado de 1867, precisamente o ano da publicação de O Capital de Karl Marx.

Na adaptação feita para este projeto, as faixas se sobrepõem aos samplers e correm à medida que as imagens sobem. O vídeo evoca a cena da ascensão, o alcance do êxtase que não termina com uma única compra, mas culmina na frenética e eterna compra de bugigangas.







  • Créditos
Animação: Augusto de Mello
Trilha sonora: Souvenir de Hapsal de Tchaikovsky por Rodrigo Tranquilo







ratings
2021

vídeo-instalação
monocanal, color, 16:9
15’51” em loop







Uma mercadoria em particular se destaca na quarta empresa mais valiosa do mundo: os milhões de vídeos de reviews gerados por usuários. Estrelas, comentários e fotos já não são suficientes para a dinâmica compulsiva das compras online, que tornou normal um mundo invertido.

O vídeo ratings é produzido a partir dos vídeos postados por consumidores na Amazon experimentando (e avaliando) a mercadoria que compraram. Uma série de efeitos se aplicam aos arquivos originais, incluindo padrões de segmentação, repetição e inversão, para atingir um ritmo frenético que traz o público de volta à dinâmica compulsiva e ininterrupta do processo.






A edição do vídeo está cheia de armadilhas. O som nem sempre corresponde à mesma cena (muitas vezes é música tocada por consumidores, outras vêm de testes da Alexa ou displays de vinil sobrepostos ao original). Às vezes, até se questiona se o que estamos ouvindo é de fato um review de produto ou não. Esse caráter duvidoso e o jogo de ocultações reforçam a carga fetichista a que estamos todos submetidos.









customer_version_3.4
2021

instalação
720 fotos de carné en metacrilato
vitrina de metacrilato
100 x 100 cm







Esta obra amplia e desenvolve em grande escala a investigação sobre reviews feitas por consumidores em plataformas de compras online. A peça de 1 metro quadrado reúne 720 retratos, através dos quais cada comprador/a expressa uma emoção ou estado de ânimo por meio de emoticons. O formato das imagens é 3 x 4 (como se fosse uma fotografia de identificação), e estão dispostas em um dos lados de uma estrutura/caixa preta, de modo que com um olhar frontal só se vê os perfis, que formam um emaranhado composto por 360 traços, em 12 linhas de 30. Para ver as imagens, é preciso olhar pela direita ou pela esquerda, provocando a curiosidade do espectador, em uma apresentação que coloca em jogo o conceito de privado/público, ou oculto /exibido, em relação ao manuseio de dados.

«Con este trabajo, la artista pone de manifiesto el contrasentido de buscar el anonimato en cubrir el rostro con símbolos gráficos, mientras que por otra parte en todo el proceso de adquisición los compradores han desvelado datos privados esenciales, ya no solamente bancarios, sino a través de información incluida en las respuestas, comentarios, preferencias expresadas, etc. Cocco nos presenta una contingencia en la que los compradores actúan como “mariposas atraídas por la luz”.»
Mercè Alsina, curadora













la gioconda
2021

instalação
diamond painting
40 x 50 cm







Durante a investigação com as milhares de fotos de reviews de produtos de usuários cobrindo seus rostos com emoticons, uma imagem pediu para ter um caminho próprio. Puro poder de síntese para a argumentação: o rosto de uma mulher coberto com o ícone do espelho mágico.

Surge a Mona Lisa do pixel (ou do diamante), uma nova Gioconda. A técnica utilizada na obra, com ponto cruz de diamante, é um trabalho manual que supõe um contraste temporário com o imediatismo das compras e ao mesmo tempo se conecta com o universo das histórias, tanto pelo tema do espelho mágico quanto pela representação de trabalho laborioso.

la gioconda, o ícone de um ícone, acumula e atravessa uma diversidade de significados que explicam as derivas da sociedade contemporânea devido ao tecnocapitalismo alienante e sua capacidade de controlar as sociedades digitais e os sujeitos contemporâneos.






Imagens-mercadoria em crise de superprodução
2021

artigo





Imagens-mercadoria em crise de superprodução

Una estrella más en cada producto, las encuestas muestran que el 90% de los clientes leen reviews. Comentarios de texto, fotos y ahora también video - nuevas oraciones tecnicizadas. 35k reseñas de un desagüe del fregadero, 55k de una sudadera, 67k de un cepillo de pelo... la plusvalía en su mayor poder, el sueño primordial del capitalismo, un trabajo totalmente no remunerado, excepto por el sentimiento de pertenencia y adoración.

Una estrella más en cada producto, las encuestas muestran que el 90% de los clientes leen reviews. Comentarios de texto, fotos y ahora también video - nuevas oraciones tecnicizadas. 35k reseñas de un desagüe del fregadero, 55k de una sudadera, 67k de un cepillo de pelo... la plusvalía en su mayor poder, el sueño primordial del capitalismo, un trabajo totalmente no remunerado, excepto por el sentimiento de pertenencia y adoración.







romaria
2021











“Una mercancía parece, a primera vista, ser algo obvio y trivial. pero su análisis lo revela como algo intrincado, lleno de sutilezas metafísicas y caprichos teológicos.”


Karl Marx, Das Kapital